Mesmo após o avanço das legislações anticorrupção e da adoção de políticas de integridade corporativa, o superfaturamento continua sendo uma das práticas ilícitas mais desafiadoras de serem detectadas e combatidas nas empresas.
Trata-se de uma fraude sofisticada, muitas vezes construída ao longo do tempo, que se aproveita de falhas de controle, brechas de governança e, principalmente, da falta de integração de informações entre as áreas operacional, financeira e de auditoria.
Como é caracterizado o superfaturamento?
O superfaturamento consiste na prática de cobrar ou pagar um valor acima do razoável ou do valor de mercado por bens, serviços ou despesas corporativas. Pode ocorrer por meio de manipulação de preços, inclusão de itens desnecessários ou exagerados, contratos com escopo inflado ou por meio de conluios entre colaboradores e fornecedores.
É importante reforçar que nem todo preço elevado constitui fraude. A caracterização do superfaturamento depende da intenção lesiva, do descompasso com parâmetros de mercado e de indícios de favorecimento ou benefício indevido.
No contexto jurídico, sua caracterização costuma estar relacionada a infrações previstas na Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), na Lei de Licitações e no Código Penal (quando há corrupção, peculato ou falsidade ideológica).
De forma geral, o superfaturamento pode ocorrer em processos de:
- Compras corporativas, com simulação de concorrência ou manipulação de cotações;
- Contratos contínuos, por meio de reajustes desproporcionais ou escopos inflados;
- Obras e projetos, como acréscimo de materiais não utilizados ou medições superestimadas;
- Despesas e reembolsos, com despesas repetidas ou incompatíveis;
- Serviços técnicos ou consultorias, contratados com especificações pouco objetivas.
Além de ser uma fraude financeira, o superfaturamento pode mascarar outras irregularidades, como propina ou até movimentações de lavagem de dinheiro.
Leia também: Conheça os tipos mais comuns de fraude corporativa
Riscos do superfaturamento para as empresas
O superfaturamento não afeta apenas o fluxo financeiro imediato. Ele compromete a margem de lucro, a competitividade, a reputação institucional e, em casos mais severos, pode levar à responsabilização civil, criminal e administrativa de executivos e conselheiros.
Em setores regulados ou com forte dependência de credibilidade, como financeiro, saúde, energia, construção e tecnologia, os impactos podem ser ainda maiores, incluindo:
- Suspensão de operações;
- Cancelamento de contratos;
- Perda de certificações;
- Restrições comerciais.
Mais do que um problema de gestão, o superfaturamento é sintoma de fragilidades na governança, na cultura de integridade e nos mecanismos de controle.
Em muitos casos, quando chega ao conhecimento dos órgãos internos de compliance ou auditoria, já representa apenas a ponta de um esquema mais amplo de desvio de conduta, frequentemente associado a conluio, corrupção passiva, manipulação de preços ou favorecimento indevido de fornecedores.
Principais modalidades de superfaturamento
Manipulação de preços em cotações
Ocorre quando os valores apresentados por fornecedores são intencionalmente elevados para justificar um preço final acima do mercado e simular competitividade. Muitas vezes envolve cartelização ou alinhamento prévio entre fornecedores, ou ainda omissão de alternativas viáveis.
Veja exemplos comuns:
- Saúde: equipamentos médicos com propostas de três fornecedores, todos atuando em conluio.
- Construção: orçamentos “fantasmas” inseridos apenas para justificar o escolhido.
- Tecnologia: fornecedor indica fabricantes parceiros com preços padronizados acima da prática.
Escopo inflado
O documento contratual inclui serviços ou itens além do necessário ou prevê potenciais expansões sem validação técnica ou insere linguagem vaga, dando aberturas, como por exemplo ‘em casos excepcionais poderá ser adicionado’.
- TI: licenciamento para número de usuários três vezes superior ao da operação.
- Engenharia: projeto prevê concreto especial quando o padrão já atenderia.
- Operações logísticas: contratação de armazéns com capacidade excedente e sem estudo de demanda.
Medições e entregas superestimadas
É uma prática comum em setores industriais, de infraestrutura e tecnologia, em que se declara um volume maior do efetivamente entregue, ou se realizar o pagamento por etapa da prestação de serviços sem comprovação adequada.
- Energia: indicação de quilômetros de rede instalados acima do real.
- Telecom: instalação de fibra com “perda técnica” inflada.
- Construção: quantidade de material calculada com margem superior à necessária.
Reajustes contratuais sem apoio técnico
Refere-se ao reajuste automático de contato (normalmente por índices como IPCA ou INCC) sem avaliação técnica sobre a necessidade do aumento naquele contexto e sem justificativa econômica.
Como pode acontecer:
- Contratos longos sem cláusula de renegociação.
- Utilização de índices genéricos não relacionados ao insumo real.
- Reajustes aplicados mesmo em períodos de deflação ou queda de mercado.
Reembolsos e despesas corporativas
Embora possam parecer de menor impacto isoladamente, essas fraudes acumulam valores expressivos e abrem precedente para fraudes maiores. Confira casos comuns:
- Reembolsos duplicados ou com nota adulterada.
- Faturamento de despesas que não ocorreram (exemplo: viagens canceladas).
- Gastos incompatíveis com a política corporativa ou função exercida.
- Despesas pessoais de profissionais pagas como despesas corporativas.
Saiba mais: Conflito de interesses: como prevenir?
Favorecimento indireto ou corrupção associada
Quando o superfaturamento é apenas o mecanismo para viabilizar retorno financeiro a colaboradores, executivos ou terceiros. Pode acontecer por meio de comissão oculta, financiamento de viagens, oferecimento de benefícios indevidos e contratos com empresas ligadas a funcionários (mesmo com sócios interpostos).
Como identificar indícios de superfaturamento?
A detecção eficaz exige análise multidimensional: financeira, documental, comportamental, técnica e comparativa de mercado.
Indícios financeiros
- Divergência significativa entre orçamento estimado e valor contratado.
- Comparação com fornecedores similares indica discrepância acima de 20% sem justificativa.
- Alterações contratuais que aumentam valores sem mudança de escopo.
Sinais comportamentais
- Resistência do gestor à revisão ou auditoria do contrato.
- Justificativas vagas ou urgências artificiais.
- Centralização da decisão em apenas uma pessoa ou área.
- Pressão excessiva pela aprovação do contrato.
- Comunicação intensa e informal com fornecedores.
Indícios documentais
- Ausência de relatórios técnicos que justifiquem preços.
- Falta de evidências de pesquisa de mercado.
- Documentação incompleta ou com dados inconsistentes.
- Datas retroativas ou incoerentes nos documentos.
- Contratos assinados com urgências em períodos atípicos.
Sinais na cadeia de suprimentos
- Fornecedores recém-criados com histórico limitado.
- Concentração de contratos em poucos parceiros.
- Sócios com vínculos com ex-executivos da empresa contratante.
- Endereço fiscal incompatível.
Confira os principais mecanismos de combate ao superfaturamento
Mapeamento do risco de compras
Permite identificar quais categorias e itens de compras da organização possuem maior vulnerabilidade a superfaturamento, considerando volume financeiro, grau de liberdade de escolha e histórico de irregularidades. Com essa visão, é possível direcionar controles e auditorias para os pontos mais críticos.
Due diligence contínua de fornecedores
A análise de integridade deve ocorrer não apenas na homologação inicial, mas durante toda a relação comercial. Monitorar mudanças societárias, envolvimento em denúncias e variações de comportamento comercial reduz o risco de conluio e cobranças indevidas.
Análise comparativa de preços
Comparar os preços praticados com padrões de mercado e fornecedores concorrentes permite detectar distorções significativas e sobrevalorização de insumos ou serviços. O benchmark deve ser estruturado com dados atualizados e fontes confiáveis.
Políticas claras de validação técnica antes da negociação
A área técnica deve validar detalhadamente as especificações e as necessidades do item ou serviço antes do processo de contratação. Essa etapa evita que fornecedores direcionem propostas com superestimativas ou itens desnecessários.
Segregação de funções entre área requisitante, compras e aprovação
Ao separar quem solicita, quem negocia e quem aprova o processo, evita-se a concentração de poder e reduz-se a possibilidade de manipulação de preços ou seleção indevida de fornecedores. A segregação é essencial para mitigar conflitos de interesse.
Treinamentos específicos sobre fraudes e integridade
Capacitar colaboradores para identificar sinais de superfaturamento, entender responsabilidades legais e reconhecer comportamentos suspeitos fortalece a cultura de integridade. Os treinamentos devem ser recorrentes, com foco em casos reais e aspectos práticos.
Revisão de contratos
A revisão minuciosa de cláusulas financeiras, reajustes, escopo e aditivos é fundamental para mitigar brechas que possibilitem sobrecargas de valores. Essa análise deve ser realizada por áreas jurídicas e de compliance antes da assinatura e renovação.
Análise de documentos
Verificar notas fiscais, relatórios técnicos, laudos, escopos, comprovantes de entrega e medições ajuda a validar se os valores cobrados correspondem de fato aos serviços prestados. A conferência documental deve ser cruzada com os dados operacionais que comprovem a realização dos serviços.
Acompanhamento em campo quando aplicável
A observação direta de serviços executados ou materiais utilizados é uma medida eficiente para confirmar se o custo corresponde ao benefício real. Isso é especialmente relevante em projetos de engenharia, manutenção, logística e obras.
Acompanhamento externo especializado
Em casos complexos, a atuação de consultorias com expertise em investigação corporativa, auditoria forense e compliance investigativo é recomendada. Esses especialistas conseguem aprofundar análises, recuperar rastros digitais e conduzir apurações para descobrir possíveis casos de superfaturamento.
Leia também: Empresa de investigação: 9 passos para escolher
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